sábado, 17 de julho de 2010

A pontualidade não significa nada

Peço imensa desculpa, mas o culto da pontualidade dá-me muita vontade de rir.

Confesso, sem pinga de vergonha, que raramente me preocupo com horários.

Há anos que não uso relógio e não lhe sinto a falta.

O culto da pontualidade é, em muitos casos, uma forma de ocultar outras falhas, uma incurável falta de ideias ou de criatividade.

O 'Homo Pontualis', a pessoa que cultiva a precisão horária é, muitas vezes, um patarata que aprendeu o valor da presença física num dado momento e pensa: 'Se chegar sempre a horas ninguém vai reparar em mim'.

Algumas nódoas da vida empresarial com quem me cruzei, picavam o ponto regularmente às nove horas. Basicamente era a única coisa certa que faziam ao longo da jornada de trabalho.

Alguns dos tipos mais chatos, quadrados e incompetentes que conheci chegavam sempre cinco minutos antes da hora marcada para a reunião e tinham por hábito criticar com desdém os que se atrasavam.

Durante a reunião, verificava-se que não tinham completado os objectivos propostos, não tinham percebido o que lhes fora pedido e tentavam sistematicamente levar a conversa para temas como as aulas de rumba que frequentavam todas as terças e quintas-feiras ou o primeiro dentinho dos rebentos.

Daí, ter-me rebolado a rir com a crónica de duas especialistas em protocolo que regressam ao assunto mais que batido da falta de pontualidade dos portugueses.

Como me sinto um pouco Dexter esta manhã, decidi dissecar o texto em pormenor. Oh, rio-me.


Daí a pergunta se ainda vale a pena ser pontual...
Pá, não sejas idiota. Ninguém morre se te atrasares 15 minutos. Se chegares uma hora atrasado isso é parvo. Estar pontualmente à hora marcada e andar a sofrer, à beira de um ataque cardíaco, a abrir pelo meio do trânsito, a passar por cima de velhinhas e a projectar carrinhos de bebé pelos ares, isso é doentio. Recomendo terapia.


Afinal o que significa? Pontualidade é exactidão. É rigor. É organização.

Bom... na realidade, não. Significa apenas que alguém chega sempre a horas.

Exactidão, rigor e organização conseguem-se quando um trabalho é bem feito dentro do prazo estipulado.

Aha! Viram? O gajo falou em "prazo estipulado"! Então, ó Steed, a pontualidade afinal é importante, ou seja, isto que estás a dizer é uma palhaçada sem sentido.

Criaturas, não sei se vos ensinaram isto nas aulas de gestão, marketing e administração, mas o mundo não é um sítio a preto e branco. Um prazo de realização de uma tarefa não é a mesma coisa que a pontualidade para uma reunião ou para uma ida ao cinema. Se não compreendem isso... ui. Parem de ler este texto e cliquem nesta ligação.

Em muitos casos, estar a horas nos sítios acaba por ser a única coisa que o 'Homo Pontualis' faz bem. Porque, dessa forma, ninguém vai reparar que é um nabo a desempenhar o seu trabalho. Porque a pontualidade é uma excelente desculpa. 'Sim chefe, a peça que eu fiz para o Space Shuttle estava defeituosa e provocou a explosão da nave, mas cheguei sempre a horas, todos os dias'.

Garanto, conheci gente e organizações inflexiveis no que diz respeito a horários, que olhavam com desdém quem chegasse dois décimos de segundo atrasado a uma reunião (algumas até instalaram equipamento de foto finish para achincalhar os retardatários com mais requinte). No entanto, bastava abrirem a boca para se tornar notório que não sabiam puto o que estavam a fazer e eram, no geral, umas alforrecas.


Ser pontual reflecte uma série de características sobre o nosso comportamento e a nossa personalidade.

Só nas vossas cabecinhas formatadas e chatas, minhas queridas. Aliás, sempre recusei contratar pessoas que considerassem a pontualidade uma qualidade prioritária. Alguns dos tipos mais criativos e competentes que conheci costumavam atrasar-se. E como eram criativos, tinham sempre desculpas engraçadas que compensavam a falta de pontualidade.

A falta de pontualidade está quase sempre associada a má gestão: sem planeamento é preciso estar permanentemente a mudar e a reajustar rotinas e horários.

Não sei onde é que foram buscar os dados para apoiar essa tirada. Imagino que a livros que outras cabecinhas formatadas escreveram. Existem algumas actividades que exigem pontualidade. Linhas de montagem (se o gajo que aperta a sétima porca a contar da esquerda se atrasa a linha pára), intervenções médicas (se te atrasares o paciente morre) No entanto, as meninas estão certamente a falar de reuniões entre executivos. É a vossa realidade, porque são especialistas em protocolo e nas linhas de montagem não há protocolo, há encarregados que despedem os gajos que se atrasam.

Organize-se: atrasos e desorganização andam de mãos dadas!

Ou podes ter uma empresa que só faça porcaria pontualmente, todos os dias, porque os recursos humanos nunca se atrasam, mas têm o QI de uma galinha.

Na eventualidade de chegar cedo, o que raramente acontece por motivos de trânsito e complexidades de estacionamento, aproveite os minutos disponíveis para ler, para cuidar da sua imagem ou para tomar um café.

Ok, a partir daqui não dá luta. Partiram para a comédia fácil... "complexidades de estacionamento" é uma expressão para guardar.

É preciso determinação para mudar uma postura infelizmente tão marcada na nossa sociedade.

É sim. Há que deixar de dar importância a especialistas em protocolo. Ew...

PS: Ah é verdade, ó "Sábado" o uso daquela imagem do "Alice no País das Maravilhas" para ilustrar este artigo constitui uma violação dos termos de copyright. Cheers!