quinta-feira, 21 de julho de 2005

Andei Por Aí a Ouvir Umas Coisas

Andei por aí a ouvir umas coisas, a martelar nas teclas do portátil como se fossem as teclas de um piano, cabeça baixa sem olhar para nada, uma espécie de transe demoníaco, cheio de poses de psicopata e expressões de esquizofrénico incurável a arriscar tudo numa derradeira crise, apostado em fazer o médico mudar de ideias quanto a dar-me alta do hospício - pensando em hospício como um sítio quente e aconchegante em que tomam conta de nós e nos dão, a horas certas, comprimidos com leite morno que nos mantêm felizes. Disseram-me que andava exagerar na bebida, por isso comecei a emborcar um pouco menos, apenas o suficiente para manter a voz grossa e empastada, com uma textura oleosa que reduzia as probabilidades de que alguém compreendesse o que dizia e, ao mesmo tempo, aumentava as hipóteses de não ser incomodado com murmúrios tolos e observações sem interesse.
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Nas minhas deambulações por becos e ruas secundárias, fiquei a saber que nem tudo é tão sinistro como parece e que as minhas ideias sobre o mundo subterrâneo ao redor dos palácios, eram afinal uma história de fadas quando postas ao lado das atribulações dos homens de serapilheira cinzenta, os que andam pelas casas a vender pedaços de CDs como se de raridades se tratassem, como se fossem farrapos de santidade tecnológica, estilhaços de fim de noite recheados com camadas grossas de mau humor.
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Aqui, onde podia haver espaço para uma sanita ou um piano, ficou o saco das visitas onde deixam oferendas variadas. Ali, no meio do altar feito de latas vazias de refrigerante e cerveja e pedaços de tábuas retirados de caixotes de fruta e legumes, iluminados por um par de velas à beira da extrema-unção, estão os sacrifícios, as promessas feitas pelos fiéis, deixadas aleatoriamente ao sabor da ocasião. A saída, é sempre acompanhada por coros de guitarras em slides suados, amplificadas quase até à distorção dolorosa. Ninguém olha para ninguém, toda a gente usa chapéu caído sobre a testa, fuma cigarros e bebe bourbon em pequenos goles. Ninguém tem seguro de saúde.