Andei por aí a ouvir umas coisas, a martelar nas teclas do portátil como se fossem as teclas de um piano, cabeça baixa sem olhar para nada, uma espécie de transe demoníaco, cheio de poses de psicopata e expressões de esquizofrénico incurável a arriscar tudo numa derradeira crise, apostado em fazer o médico mudar de ideias quanto a dar-me alta do hospício - pensando em hospício como um sítio quente e aconchegante em que tomam conta de nós e nos dão, a horas certas, comprimidos com leite morno que nos mantêm felizes. Disseram-me que andava exagerar na bebida, por isso comecei a emborcar um pouco menos, apenas o suficiente para manter a voz grossa e empastada, com uma textura oleosa que reduzia as probabilidades de que alguém compreendesse o que dizia e, ao mesmo tempo, aumentava as hipóteses de não ser incomodado com murmúrios tolos e observações sem interesse.
Nas minhas deambulações por becos e ruas secundárias, fiquei a saber que nem tudo é tão sinistro como parece e que as minhas ideias sobre o mundo subterrâneo ao redor dos palácios, eram afinal uma história de fadas quando postas ao lado das atribulações dos homens de serapilheira cinzenta, os que andam pelas casas a vender pedaços de CDs como se de raridades se tratassem, como se fossem farrapos de santidade tecnológica, estilhaços de fim de noite recheados com camadas grossas de mau humor.
Aqui, onde podia haver espaço para uma sanita ou um piano, ficou o saco das visitas onde deixam oferendas variadas. Ali, no meio do altar feito de latas vazias de refrigerante e cerveja e pedaços de tábuas retirados de caixotes de fruta e legumes, iluminados por um par de velas à beira da extrema-unção, estão os sacrifícios, as promessas feitas pelos fiéis, deixadas aleatoriamente ao sabor da ocasião. A saída, é sempre acompanhada por coros de guitarras em slides suados, amplificadas quase até à distorção dolorosa. Ninguém olha para ninguém, toda a gente usa chapéu caído sobre a testa, fuma cigarros e bebe bourbon em pequenos goles. Ninguém tem seguro de saúde.