quarta-feira, 20 de abril de 2005

Do Meio da Rua Saiu Um Cheiro Bizarro

Do meio da rua saiu um cheiro bizarro, a pedir coscuvilhice impiedosa. Senhora Dona Conceição,  mestra na dita arte, espetou o nariz fora do estabelecimento e mirou, esquerda e direita, à vez, em busca do singular odor. Mas o cheirinho indefinido fugia-lhe das narinas a cada vez que estava pronta para o abichar. 

Senhora Dona Conceição, decidiu avançar e exibir o corpinho avantajado pela rua, banha acima e banha abaixo, num ritmo constante e desengonçado, quase um be-bop modernaço. 

O cheiro bizarro, insidioso e desconhecido pairava, uma vez aqui outra acolá, diluído entre as paredes dos edifícios antigos, legado da mourama que habitou o bairro em tempos ancestrais. 

A Dona, que também era Senhora desde o dia em que o esposo Armindo a havia desposado na Igreja de Santo António, no feriado do amado Santinho, desesperava em buscar o que dera origem à sua gloriosa demanda, em bata e chinelos, na hora em que o sol a pino dava sinal de que a manhã tinha acabado. O calor de Agosto fazia-a suar e os pingos escorriam-lhe pelo corpo, dando-lhe ganas de coçar em partes que uma Senhora Dona nunca se atreveria a coçar em público.

Finalmente Maria da Conceição descobriu. Pela janelinha do segundo andar de um prédio pintado de azul gasto, grafitado e velho como todos por aquelas bandas, saia um fuminho leve, elegante no deslizar - podia mesmo dizer-se sensual - de um modo distraído, ingénuo.

A Dona, Senhora e Maria da Conceição, esposa do Senhor Armindo, tudo junto numa só pessoa, sabia quem vivia naquela casa. Era Dona Micaela, a cabo-verdiana, cozinheira dos sete costados, tão boa na arte da petiscada como a sua vizinha era na quadrilhice.

Uma cabeça espreitou lá de cima, Senhor João, esposo amado de Dona Micaela. Carapinha grisalha, curtinha porque o calor aperta, cara séria mas simpática.

- Boa tarde Dona Conceição! Vai uma cachupa aqui com a gente? Chega para todos!