domingo, 21 de outubro de 2007

Reciclagem III

O Tempo para amanhã (24.Ago.2004)

O oposto mostra-me
como são fracas as minhas palavras
como é ténue a minha força

nos espaços vazios
cheios de noites sem dormir
revela por fim ao cerrar a porta
o rosto impávido
e recomeça a chorar

Da espuma das ondas
do brilho do sol
sai o meu ar

Das madrugadas frescas
do cheiro do campo
sai a esperança

que as palavras não sejam vãs
vazias

como as imagens de um espelho


Sentido (22.Ago.04)

Então criatura? o novo nome tão depressa se foi?

Rodaste a cerca e plantaste o limoeiro.

Foi o sal.

Foi o sal.


Jardim (22.Ago.04)

Entre as árvores
Beijei
uma vez


Betoneira (22.Ago.04)

Solene
Cerrei os olhos
ausente
com tão poucas palavras reavivei o cimento à volta do peito


O Estranho Desaparecimento do Dr. Valakion (27.Dez.03)

O Doutor Valakion estava a beber o seu cafézinho matinal quando, pelo canto do olho direito, notou algo estranho. Pequenos movimentos súbitos e intermitentes no arbusto ao lado da esplanada. O Doutor Valakion decidiu ignorar. Pediu um bolo de arroz e a conta. Ao sair da pastelaria "Rosa dos Ventos" lembrou-se de que tinha de ir pagar a conta do telefone e pôr algumas cartas no correio.

Por instinto virou-se para trás, ainda a tempo de ver um vulto refugiar-se na entrada de um prédio.

Começou a sentir medo e acelerou o passo.

No entanto, nunca chegou ao seu destino.

O que aconteceu ao Doutor Valakion?


O Estranho Reaparecimento do Dr. Valakion - Continuado (27.Dez.03)

- Não me lembro de nada! - gritou o Doutor Valakion pela sétima vez - já vos disse vezes sem conta que dei por mim numa lixeira municipal, sem carteira e sem peúgas!

- Sim, pelo cheiro podíamos facilmente concluir que foi isso que aconteceu...mesmo que não tivéssemos sido nós a descobri-lo - o Inspector Andrade não gostava de estrangeiros. Também não gramava cães e tulipas. Baixote e gorducho, suava muito e tinha uma pedra nos rins que o fazia sofrer em quintas-feiras alternadas. A brincar - sim porque o Inspector Andrade tinha sentido de humor - costumava dizer que a sua pedra tinha sido feita na Suiça.

- O que nós queremos saber senhor Doutor Valakion, não tem nada a ver com as suas peúgas fedorentas nem com a sua carteira, embora lhe diga desde já que o facto de não saber do seu passaporte lhe vai causar problemas com o SEF. O que nós queremos saber, caro Doutor, é porque carga d'água tinha uma folha de papel no bolso do casaco onde estavam escritos os nomes de 12 ministros com uma indicação à frente de cada um onde se lia "pum!"

O Dr. Valakion começou a ter suores frios. Os olhos derivaram da mesa para a chávena de café vazia, para a cadeira, para o tecto e para a lâmpada fluorescente cheia de pó.

O Inspector voltou à carga.
- Está a sentir-se mal? - e aproximando a cara da nuca molhada em suor do Dr. Valakion, desferiu a estocada fatal num tom de voz baixinho - você está tramado...e não é por causa da falta das peúgas.

Valakion arrepiou-se. Sentiu o suor a arrefecer ainda mais em cima da sua roupa e sentiu a falta das peúgas. Pensou de repente nos pés sujos e em toda a porcaria que devia ter pisado. Sentiu nojo dos seus pés e uma necessidade incontrolável de se lavar e desinfectar. As mãos começaram a arrepanhar o tecido das calças e inconscientemente colocou ambos os pés no ar, como se qualquer movimento ou toque o pudesse conspurcar ainda mais. Por fim, arranjou forças para responder:

- Claro que me estou a sentir mal. Estou todo sujo, sem documentos num país estrangeiro e ainda por cima o senhor vem falar-me de um papel qualquer com uns nomes e umas referências infantis...

A voz calma surpreendeu Andrade. O homem parecia-lhe à beirinha de um ataque de pânico, do descontrolo total, mas a voz saíra calma e pausada.

- Infantis? Uns nomes? Você deve estar a brincar comigo! Não abuse da sua sorte. Não pense que o título de Doutor o vai safar desta alhada. Os nomes, senhor doutor, esses nomes, como disse de modo displicente, são de políticos. Ministros do governo deste país e as referências infantis foram levadas muito a sério pelos nossos investigadores mais experientes.

- Sinceramente, senhor inspector, segundo você me disse eram apenas uns puns.

Era demais para o Inspector Andrade. Nem o seu sentido de humor, reconhecido em todo o edifício e bastas vezes mencionado na sua roda de amigos, podia resistir a um achincalhamento tão leviano de todo o esforço da polícia. De frente para o odiado estrangeiro, descarregou os pensamentos até então guardados em nome do brio e do profissionalismo.

- Ouça lá ó doutor da mula russa, você não goza comigo, nem com o meu trabalho - a narigueta de poros dilatados e proeminentes pilosidades tinha descido a poucos centímetros da cara do Dr. Valakion que continuava a pensar nos seus pés descalços - se nós não o tivéssemos tirado no sítio merdoso onde estava enfiado, o mais certo era você a esta altura estar feito em "Pedigree Pal" pelos "pit-bulls" dos xungosos da zona.

O estado imundo dos pés começava a ser insuportável. Valakion contorcia-se cada vez mais na cadeira de plástico desconfortável e bamba.


Relatório 234/02b.d2e (27.Dez.03)

Agente: Dr. Valakion

Assunto: Investigações sobre o Portugal profundo.

De acordo com as instruções dediquei-me durante 2 semanas a investigar aquilo a que localmente se designa por "Portugal profundo", ou seja, a parte do país que se encontra mais distante dos grandes centros urbanos, Lisboa e Porto.

Dividí a minha pesquisa em várias etapas, de Norte a Sul de modo a melhor poder fundamentar as minhas conclusões.

a) Fátima

Comecei pela zona de Fátima. O local é estranho e sente-se no ar não o misticismo que seria normal mas o cheiro do dinheiro fácil e da exploração das crendices populares criadas no início do século passado que o transformaram, graças a uma hábil e eficaz estratégia por parte da Igreja Católica, numa espécie de parque de diversões desta instituição, uma Disneylândia da fé. Também conheci um burro e um cão, salvei a vida a uma salamandra que quase morria presa numa piscina e recebi um relato das aparições escrito em Francês e na primeira pessoa em meados dos anos sessenta. Este documento bizarro encontra-se anexo ao presente relatório. Li imenso e dormi mal por causa dos mosquitos.

b) Serra do Açor

Ao sair da auto-estrada, entra-se num universo paralelo. Bombas de gasolina em estradas sem saída em que todos os empregados eram ucranianos de aspecto suspeito. Uma casa de banho de terceiro mundo (suspeito que importada da própria Ucrânia, cheiro intenso a urina incluído). Muitas curvas, aldeolas com nomes esquisitos, muitas pontes. Finalmente o paraíso. A localização deste local passou a ser informação classificada e está incluída no final deste relatório com a designação de apêndice A/2542f.

c) Gerês

À medida que me fui deslocando para Norte notei que o comportamento dos locais se ia transformando. São extremamente rudes e conduzem com uma agressividade inexplicável. As crianças bebem vinho à refeição. A cidade de Braga é uma armadilha. Aconselho a suspensão imediata de todas as operações nesta zona até podermos compreender claramente porque razão não existem placas de sinalização nas rotundas e porque se demora uma hora a apanhar a auto-estrada.

A zona perto das Antas, no Porto, é também particularmente perigosa. ao que parece os nativos, ao verem as obras de construção de um novo estádio de futebol, tendem a tirar as mãos do volante e a começar a urrar e a gesticular de alegria e comoção. Tentei atirar-lhes bananas e amendoins mas só consegui enfurecê-los e tive de retirar rapidamente.

O Gerês é lindo. Seria perfeito se não fosse habitado. Muitas curvas e mais curvas. Sensação de claustrofobia por estar entre tantos montes e vales. Há lixo e montes de entulho em diversos cantos do parque.

d) O Sul

Após uma breve passagem por Lisboa, finalmente o Sul. Rectas sem fim. A planície.

A felicidade. No entanto, evitar em futuras operações beber leite de vaca vindo directamente dos animais da zona. A desinteria pode causar muitos incómodos.

*** fim de relatório ***

chave de autenticação: MF88/15c.7.1


A Esgrima

a esgrima divide-se em três partes:

a parte de dar ca sachola no adversário

a parte de levar ca sachola do adversário

a parte de fugir de levar ca sachola do adversário

quem levar menos ca sachola ganha

também há uns senhores de fato e gravata que fingem que conseguem ver quem bate com a sachola primeiro.

os senhores que conseguem dar ca sachola no outro ficam normalmente muito contentes e costumam gritar "aaaaah" e abanar os braços com força para o publico que finge perceber o que se está a passar.

ou seja, no geral a esgrima é essencialmente um desporto rural, um pouco como o chinquilho ou arrear na mulher e nos filhos.


Sexo Tântrico - iniciação e prática (27.Dez.03)

Parceiro A - Já tás pronta ó filha?
Parceira B - Acho que sim, como é q me ponho?
A- como quiseres
B- assim tá bem?
A- iá acho q assim dá
B- porra q tá frio...
A- a quem o dizes
B-Achas q vais conseguir?
A- não sei não...onde é q o meto?
B- Num sítio qualquer, mas olha q isto é coisa para durar umas horitas boas
A- então vai já aqui q é o q está mais perto
B- Por mim...
A- Então já tás a sentir alguma coisa?
B- Eu não e tu?
A- Tb não
B- Isto deve demorar o seu tempo..
A- Pois é...
B-laralarala
A- O q é q estás a fazer?
B- a cantarolar para passar o tempo. até q aconteça alguma coisa.
A- Bolas, tens mesmo de cantar? Assim desconcentro-me.
B- Tá bom, eu calo-me
A- Tb não é preciso tanto
B- olha...
A- o q é?
B- tenho vontade de fazer xixi...
A- uhm....pois....eu tb....vamos?
B- bute....voltamos a isto depois....
A- tá bom....bora....



Cancioneiro Geral (27.Dez.03)

Como se ver livre da mediocridade geral?

Como crescer livremente sem grades e sem barreiras?

Como aliviar a consciência sem perder de vista os objectivos?

Como satisfazer a gula, a excitação e a sede sem apanhar uma doença?

Como fazer coisas novas sem se tornar um diletante aborrecido e banal?

Como pesar bem as palavras sem parecer vazio e artificial?

Como respirar com a boca bem aberta sem sufocar?

Como parecer sincero sem nos tomarem por ingénuos?

Como arrumar o carro sem riscar a pintura?

Como arrumar velhas fotografias evitando a melancolia?

Como recuperar a boa disposição sem engolir um Prozac?

Como ter sucesso sem frequentar festas e vernissages?

Como conviver sem nos aborrecermos mortalmente?

Como envelhecer correctamente sem nos babarmos?

Como morrer de repente sem nos assustarmos?

Como ser feliz nos cinco minutos que nos restam antes de apanharmos o autocarro?

Como viver sozinho numa grande cidade sem acabar a cair de um prédio alto?

Como curar uma gripe sem um médico de família?

Tantas perguntas.

Tantas respostas possíveis.

Nem tanto ao mar

Nem tanto à terra.

Ficar suspenso no ar.

Isso sim seria ideal.



Melão Cólicas

Os teatros têm lanternas brilhantes como latrinas, escorreitas como sorvetes italianos servidos em quiabos argelinos, derretendo-se pelas mãos abaixo num vício viscoso de lambidelas endomórficas.

As matinés são repelentes de insectos com terceiros balcões frementes de sementeiras gordas e aminoácidos prostituíveis em fim de carreira.

Digo que hoje não quero fazer gemer a cadeira residente, e o felatio fedorento pode rebolar pelas escadarias sem fim, eternamente tombado para entontecer as debutantes alvas e semihúmidas que intoxicam o ar com o seu suor de virgens de contrafacção.

Tudo isto porque o melão dá cólicas.



Ainda mais interessante

Tudo o que me passa pelo carbono 14 tem um ar de novidade recém-nascida e expelida pelo canal pró-vaginal da máquina parideira de reciclados virtuais num gemido fino de girino geriátrico.

Os leitores das universidades apalpam pacientemente as paredes dos edifícios em busca de vestígios de educação que possam ter deslizado pelas rachas das paredes. Temem que se tenham formado colónias de sapiência nos subsolos da escola, contaminando irreversívelmente toda a área circundante.

Os leitores das universidades são a eterna polícia secreta dos reitores que descobriram há muito tempo as fugas de educação e sabedoria. A informação foi mantida dentro de um pequeno círculo de pessoas. Só eles sabem que os restos não controlados de ensino superior podem causar danos graves nos seres humanos.

A descontaminação é lenta e difícil.




O Estupor

Sinto-me um estupor estuporado envolto num estupor estuporante.

As minhas glândulas sodoríferas exalam suor com um cheiro soporífero por pouco dinheiro.

O deflagrar de uma mina é um acontecimento festivo na nossa aldeia.

O amputado de guerra é considerado um rei na minha tribo nómada.

A cigarreira brilhante é uma obra de arte moderna executada nos tempos livres por um pelotão de fuzilamento.

A amorosa criatura é um perigoso fora-da-lei e roubará todos os teus pertences.

Voltem depressa Barqueiros do Volga, voltem depressa.


Cosmologia para ciganos

A referência a um artigo sobre as epidemias do período pós-Grande Guerra, publicado numa revista holandesa, esteve na origem de uma violenta discussão entre famílias ciganas residentes no concelho da Amadora.

Um grupo de mulheres ciganas reuniu-se e decidiu criar uma cooperativa. A associação terá como fim desenvolver insultos, pragas, a produção de componentes para micro-computadores e maneiras mais eficazes de bater em putos ranhosos.

Um estranho fenómeno está a acontecer numa remota aldeia da Beira Interior. Os habitantes desta pequena localidade apareceram inanimados à porta de suas casas, vestidos apenas com uma pequena tanga. O Padre Ramiro, única pessoa que sabe ler num raio de 30 quilómetros referiu à imprensa que lhe parecia que tudo o que sucedeu era obra ou do Diabo ou da qualidade do leite. No entanto, uma fonte da Junta de Freguesia da área afectada por este estranho fenómeno assegurou que: "nós não bebemos leite, nem vestimos roupa interior sexy". A Polícia Judiciária Militar encontra-se no terreno em investigações.

A instalação de um telescópio electrónico num acampamento de ciganos em Mogofores despertou o interesse dos mesmos pela Astronomia. A Sra. Dª Elisete Carunho, vendedora ambulante de roupa disse: "Estou muito feliz com este novo equipamento, dá-nos imenso jeito." Interrogada sobre o uso que já deu ao telescópio a mesma senhora referiu: "Já ví quase todos os planetas do sistema solar e identifiquei pelo menos 3 quasares e duas anãs-brancas e estou muito satisfeita porque ontem eu e o meu mais novo, o Fábio Rafael, descobrimos duas formações que pensamos serem uma nova galáxia, estamos só à espera da confirmação da NASA para podermos baptizar a galáxia, vai-se chamar Tânia Micaela que é o nome da minha sobrinhita que nasceu o mês passado".