quarta-feira, 5 de janeiro de 2005

Impressões

A reacção do governo Português aos acontecimentos na Ásia foi lenta e desorganizada. Embaixadores em férias, técnicos que iam mas tardavam em chegar, etc.



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O porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros, apanhado em plena ressaca do Natal falou para a Antena 1 com voz arrastada. Teve falhas de memória – valeu-lhe o jornalista de serviço que lá lhe lembrou que faltavam as Maldivas – e passou certidões de óbito aos desaparecidos – “que é como quem diz, mortos”. Infelizmente, os ditos cujos, recusaram-se a morrer e, chatice das chatices, logo no dia a seguir começaram a aparecer.



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A dona Dulce foi de férias para a Tailândia no dia a seguir aos maremotos (sim, existe uma palavra portuguesa para designar “tsunami”) e o senhor Gama, mais a sua filha que diz “pa” em vez de “para”, mostrou a sua sabedoria ao declarar ter “lido na história” o que eram os tais de “tsunamis” e sabendo logo dizer a toda à prole o que se passava, do alto do segundo andar do hotel de segunda categoria onde estavam instalados, com vista para uma nesga de praia.



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Dias depois o senhor Gama teve o seu momento de glória ao aparecer, inchado e mal contendo o orgulho, no Jornal da Noite da TVI, para comentar o seu filme, feito do tal segundo andar do tal hotel de segunda categoria em Phuket.



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Ficou provado que os turistas mais irritantes e possidónios do mundo são os russos logo seguidos dos portugueses. Coisas de novos ricos…não?



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Um coordenador de voluntários Britânico apareceu na Sky News, agradeceu o apoio de todos, o modo maravilhoso como o Governo Tailandês estava a lidar com a situação trágica em que o país estava e recusou queixar-se. Embora tudo no seu olhar dissesse que não dormia há uma série de dias, embora o desespero e o choque de ter de lidar com cadáveres em decomposição num cenário devastado, lhe perdoasse qualquer fraqueza ou lamúria. Apenas pediu polidamente ao Governo que fosse ainda um pouco mais maravilhoso e que enviasse alguém para os render. Disse ainda, que os voluntários estavam dispostos a continuar até que aparecesse o exército Tailandês, ou alguém mais habilitado, para os substituir. Só quando a jornalista lhe disse que ele parecia exausto é que o homem acabou por confessar, meio envergonhado, que sim, que estava perto do limite.



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A corrida das doações já começou. Os Estados Unidos tomaram a dianteira, a França sentiu-se ofendida e reagiu logo depois, com o Japão, a Alemanha e a Grã-Bretanha em plena recuperação. Quanto deste dinheiro anunciado irá realmente chegar a provocar algum efeito? Na feira das consciências sujas o arraial ainda agora começou.



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Penso que já todos repararam no facto de que esta catástrofe foi bem ao gosto dos defensores da globalização. Morreram uma data de sub-desenvolvidos juntamente com uns quantos turistas desenvolvidos. Foi a sorte dos pobrezinhos. As televisões estão lá todas, pelo menos enquanto houver uma história comovente para servir no prime-time desenvolvido do hemisfério norte ou um novo vídeo amador para mostrar. Todos se acotovelam para ajudar, contribuir, doar.



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Bom Ano Novo!