segunda-feira, 8 de setembro de 2008

As eleições em Angola vistas por RC (guest blogger do TELOS)

Quando pensei em escrever sobre as eleições em Angola lembrei-me que, por esta vez, não seria má ideia publicar um texto como deve ser. Escrito por alguém que conhecesse bem a realidade Angolana.

Parece que acertei. O RC, com a sua experiência recente de 28 meses em Angola, enviou-me um texto óptimo.

É a primeira vez que uso esta figura modernaça do guest blogger. Acho que correu bem.

Espero que gostem e, já agora, dêem um pulo ao My African House, o blogue que ele manteve durante a estadia em Angola.

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Angola, as eleições e os jornalistas portugueses

Foto: RC

Como qualquer outra pessoa, tenho-me divertido bastante com os títulos – e artigos – de alguns jornais a propósito das eleições Angolanas. No entanto, ao contrário de muitos, o que me tem de facto feito sorrir é a ingenuidade e um certo tom de prima donna ofendida adoptado pelos jornalistas nacionais. Em particular aqueles que viram a emissão de visto recusada.

Não sou analista político, nem especialista em geopolítica; detenho apenas a experiência que me advém de ter trabalhado e vivido em Angola os últimos 28 meses. E de ter mergulhado num país que cresce e vive num ritmo frenético, numa cultura diferente e, surpreendentemente, ter adorado.

Os jornalistas portugueses, como aliás a generalidade dos portugueses, não compreende ou não sabe lidar com os Angolanos. Andam habitualmente divididos entre o grupo que os vê como absolutamente dependentes do antigo colonizador para serem civilizados e os que apenas os encaram como uma nação do terceiro mundo, sem lei e ainda mergulhada numa guerra – quase um far west sem leis.

Por outro lado, uma parte boa da população angolana vê os portugueses como os colonos que desejam regressar ou os estrangeiros que vão ‘roubar’ as riquezas locais. Como em tudo na vida, a razão – e a arrogância – nunca são monopólio de uma das partes.

O pecado dos jornalistas portugueses, tem sido escrever de Angola com aquele indisfarçável travo de paternalismo e superioridade, geralmente realçando os aspectos negativos e o quanto ainda há a fazer.

O erro dos angolanos é o de acharem que a súbita fortuna e afluxo de estrangeiros os torna absolutamente independentes e lhes dá o direito a uma arrogância que não admite a menor crítica. E, na verdade, o crescente número de estrangeiros que deseja – e vai – trabalhar em Angola, dá-lhes alguma razão.

Em Angola, tudo o que se diz na imprensa portuguesa é seguido com atenção; e ainda é difícil ultrapassar o facto de termos decidido os destinos dos angolanos durante mais de cinco séculos.

Eles desejam ser independentes e respeitados como país soberano. Isto, ainda que sejam uma democracia (hesito na palavra, porque não é de facto a verdade) imatura e uma economia muitíssimo dependente do know-how estrangeiro.

Assim, notícias sobre a corrupção ou quaisquer outros pecadilhos do regime angolano, são ampliadas e repetidas à exaustão na imprensa local. Isto, gostemos ou não, deveria exigir dos jornalistas nacionais um pouco mais de ponderação nas palavras que escrevem. Ou então, compreender que estas pequenas e infantis retaliações são causadas pelas suas próprias palavras.

Foto: RC

Angola é um país soberano e sabe hoje que tem provavelmente menos necessidade de nós que nós dele. Saberemos nós disso? Não estou, de todo, a desculpar o regime Angolano; sinto apenas que os jornalistas portugueses esperam dos angolanos comportamentos que revelam desconhecimento da realidade local.

Angola não é ainda uma democracia madura e não se vive em liberdade de expressão – aliás, sobre este tema, costuma dizer-se por lá que ‘os jornalistas podem escrever o que quiserem… mas provavelmente, só uma vez’.

Por tudo isso, quando este sábado li o jornal Expresso só pude sorrir. De facto, quem escreveu aqueles artigos está longe da realidade local. Mas não se inibe de uma certa dose de inútil arrogância: ‘não nos deixaram entrar, mas conseguimos na mesma saber o que se passa em Angola’… sem palavras.


by RC, 8-Set-08